Sobre a Psicanálise
A psicanálise surgiu no século XX, um período de mudanças tecnológicas, políticas e sociais essenciais para grandes mudanças no cenário político global. Foi nesse contexto que Sigmund Freud, um cientista do psiquismo inconsciente, formado numa atmosfera positivista e cientificista próprias do século XIX, inventou a picanálise.
Freud queria que a psicanálise fosse reconhecida como ciência, nesse caminho, inventou a escuta do inconsciente e rompeu com a Medicina da época. Ele deixou uma vasta obra e teve seu pensamento bastante difundido em todo o mundo. No seu pequeno texto “Uma dificuldade no caminho da psicanálise” (1917), Sigmund Freud menciona três feridas narcísicas da humanidade.
De acordo com Freud, há três importantes momentos em que a ciência “destronou” o ser humano de uma autoimagem mais grandiosa e onipotente. A Psicanálise seria responsável pelo terceiro destes momentos. Esta surge, então, como a terceira ferida narcísica da humanidade.
Trata-se de um novo campo do saber que trabalha com o sujeito do desejo, promovendo uma revolução a partir da descoberta da motivação inconsciente nas ações do ser humano e da sexualidade infantil. A invenção da escuta do inconsciente proposta pela psicanálise rompe com o modelo positivista da Medicina da época, um modelo que concedia todo o privilégio à anatomia patológica. O corpo considerado pela medicina era aquele em que se podia ver as lesões e estudá-las, realizar procedimentos e dissecações.
A psicanálise tem suas regras técnicas, a principal delas consiste na associação livre, regra fundamental, em que o paciente é convidado a esforçar-se a dizer tudo o que lhe vier à mente, principalmente aquilo que se sinta tentado a omitir, seja por que motivo for, estando deitado confortavelmente no divã, enquanto seu analista se senta numa poltrona atrás do divã onde se encontra o analisando. Fazem parte das regras, também, o número de sessões, a duração delas, o valor, a forma de pagamento, a atenção flutuante e a abstinência, fatores esses que serão definidos caso a caso, ou seja, as regras são aplicadas de modo particular em relação ao tratamento, levando-se em consideração a singularidade do caso.
O método psicanalítico é o método interpretativo aplicado à transferência do paciente em condição de análise, ou seja, aplicado à condição em que a pessoa se encontra, supondo um saber ao analista, acreditando que este tenha as respostas às suas questões e o consequente amor de transferência, bem como a tudo o que disso resulta. O método psicanalítico se apoia na regra fundamental da psicanálise (a associação livre), nada deve ser omitido, tudo o que o paciente sente, pensa, fantasia, se recorda, mesmo que cause constrangimento, que seja difícil de ser comunicado, não deve ser evitado na relação transferencial com o analista.
Poderíamos nos perguntar para que serve a psicanálise, muito tempo se passou desde a sua criação, muita coisa mudou, mas ela continua viva e operante, apesar de ter sido propagada muitas vezes de maneira muito equivocada e ainda persistirem muitas deturpações e outras que vem surgindo. A psicanálise foi criada como uma estratégia para tratar a condição do homem como ser faltante, incompleto, que porta um vazio impossível de ser preenchido, eliminado, solucionado. Sendo faltante, é incapaz de se livrar daquilo que o torna humano, que o diferencia dos animais irracionais, que o torna falante. O homem pode lidar com a sua dor, a dor da falta, a dor de existir como falante, dores estas incuráveis, mas contornáveis, mudando sua posição, alterando a forma como vive a sua vida e a reinventa.
A psicanálise como tratamento conduzido de acordo com o método psicanalítico possibilita ao analisando lidar com a dor de existir ao se reposicionar frente à falta, ressignificando a sua história, ou seja, suas relações amorosas, sua relação com os outros, com a seu trabalho e com a sua produção.
A psicologia clínica exclui de seu campo dois termos essenciais à psicanálise: a transferência e o inconsciente. De acordo com o que é proposto na universidade, ela pode ser compreendida como um campo da psicologia em que se realiza estudos de casos individuais, cujo método baseia-se em três postulados: a dinâmica, a totalidade e a gênese. Destes derivam os seus objetivos práticos, ou seja, o psicólogo tem como finalidade clínica, curar doentes, educar crianças, aconselhar adultos, e reclassificar os inadaptados.
Se para a psicologia clínica há a necessidade da observação direta do paciente para que se possa interpretar os seus sintomas, para a psicanálise há a recusa a esta observação direta, privilegiando-se a escuta do inconsciente.
Portanto, a psicanálise e a psicologia clínica não têm a mesma finalidade. A psicanálise pode até ser vista como uma psicoterapia, entendendo-se a psicoterapia como um método de tratamento psicológico das doenças mentais que utiliza como meio a transferência. Ademais, não se confunde com outras psicoterapias, como a hipnose, a sugestão, a catarse e menos ainda com a psicologia clínica, que exclui desse campo a transferência e o inconsciente.
O lugar que o analista ocupa na transferência permite ao analisando colocar em cena as suas fantasias, os seus desejos, podendo ressignificá-los. O Desejo do analista é de que haja análise, por isso se coloca nessa posição essencial para que a análise aconteça, ou seja, abstém-se do seu desejo como sujeito, possibilitando, com as suas regras e o com o seu método de interpretação da transferência, a escuta do inconsciente, a partir das associações do paciente, daquilo que é dito e do que silencia, dos seus sonhos, atos falhos, lapsos, chistes, lembranças encobridoras, a partir disso convoca o sujeito para que este possa comparecer na análise como sujeito desejante.
Sendo assim, a psicanálise não se confunde com outras psicoterapias ou com a psicologia clínica. A psicanálise tem como objetivo se esforçar para a recuperação do paciente, trazendo-o de volta ou dando a ele sua capacidade de amar e de trabalhar.
O homem analisado num processo de rememoração, que pode ser longo, mas não obrigatoriamente o é, se conhece, se renova, cria e recria a vida, pois tem a potência de seu desejo reconhecida e é levado ao desejo de saber de si, podendo se reconhecer ligado a uma lógica inconsciente que lhe escapa. A psicanálise é, desse modo, a experiência mais radical que o ser falante pode experimentar ao se interrogar sobre si mesmo.